Aumento da fome: brasileiros estão comendo menos e pior

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No Pará, último levantamento do IBGE aponta que mais da metade da população estava em situação de insegurança alimentar

Por Oliberal

Na região Norte4 em cada 10 famílias relataram redução parcial ou severa no consumo de alimentos entre agosto e outubro de 2021. No Brasil, desde 2020, ano em que começou a pandemia de covid-19, até abril de 2022, o número de pessoas sem ter o que comer cresceu 73,2%, passando de 19,1 para 33,1 milhões de pessoas em situação de fome ou insegurança alimentar. Os dados são do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN), pesquisa desenvolvida pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN).

No Pará, a última pesquisa sobre o assunto, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi feita entre 2017 e 2018, constatando que mais da metade das famílias no estado (57%) se encontravam em situação de insegurança alimentar. Após a pandemia, novas pesquisas não foram feitas no estado, mas o II VIGISAN aponta que 45,2% das famílias na região norte relataram redução parcial ou severa no consumo de alimentos no segundo semestre de 2021.

Nas feiras, em Belém, não é difícil constatar essa realidade. O aposentado Raimundo Cardia, de 73 anos, se surpreendeu com o quilo de charque a R$ 40. “Está um horror. Eu sou aposentado, ganho só um salário mínimo. Aí tem que pagar água, luz e outras despesas… Não dá pra nada. Tem dias que a gente passa só com ovo e farinha, não tem como comprar tudo”, lamenta.

vendedora Maria Benedita, de 63 anos, também relata a necessidade de adaptar a alimentação devido a alta nos preços: “A gente deixa de comprar algumas coisas para levar só o necessário. O feijão, por exemplo, a gente não vê qualidade, a gente compra o mais barato. Fruta e legume, para quem ganha com um salário mínimo, não dá. Coisas que a gente comia antes, teve que parar de comer. Por exemplo, a carne. Charque, que eu gostava muito, está um absurdo o preço”.

 

Nem auxílios sociais puderam refrear a progressão da fome

nutricionista, doutora em Ciências da Saúde e membro da Rede PENSSAN, Naiza de Sá, diz que a prevalência da insegurança alimentar no país é multifatorial. Além da pandemia de covid-19, ela destaca:

“Podemos citar a diminuição do poder de compra da população, o aumento do desemprego, a produção de alimentos no Brasil voltada principalmente para a exportação – o que se agravou ainda mais com as moedas estrangeiras custando mais, – o desmonte das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional desde 2016, o aumento do preço dos combustíveis, a desarticulação das estratégias de fortalecimento da agricultura familiar, entre outras razões”, avalia.

Diante dos muitos problemas enfrentados pela população, a especialista diz que nem mesmo os auxílios financeiros sociais foram capazes de refrear o aumento da fome. Dados do relatório II VIGISAN mostrando que, na faixa da população que recebe menos de meio salário mínimo por pessoa, a fome é uma realidade para 32,7% das famílias que receberam algum benefício social (como Auxílio Brasil e Bolsa Família). Já entre as famílias que não recebem auxílios, o percentual das que passam fome foi menor, apenas 29,4%.

“Um estudo do Instituto de Defesa do Consumidor apontou que, de janeiro de 2020 a março de 2021, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo geral no Brasil foi de 6,44%, enquanto os Alimentos e Bebidas tiveram elevação de 26,59%. Logo, o programa de transferência de renda não foi suficiente para acompanhar esse aumento”, afirma a especialista.

Naiza lamenta que a qualidade da alimentação brasileira tenha diminuído em função das dificuldades econômicas enfrentadas pelas famílias: “Quanto menor é a renda básica de uma família, mais a escolha do que comer será definida pelo preço e não pela qualidade nutricional do alimento. Se o alimento saudável é caro, a opção é comer aquele que tem menor custo”, afirma a especialista.

Perda de saúde física e mental são consequências da fome

Na avaliação da nutricionista e membro do Conselho Regional de Nutricionistas da 7° Região (CRN-7), Thaís Granado, a insegurança alimentar tem como consequências problemas de saúde física e mental, além da piora da qualidade de vida.

“Entre os problemas relacionados à saúde física, podemos citar a deficiência de nutrientes como vitaminas e minerais, fraqueza e desgaste físico. A longo prazo, a desnutrição que, em crianças, pode comprometer o crescimento e desenvolvimento e, em idosos, está relacionada a maior risco de quedas e consequente piora da saúde”, explica.

Já em relação aos problemas de saúde mental, a Thaís esclarece que, situações de medo, incerteza e insegurança com relação ao próprio sustento e ao sustento da família, podem resultar na piora da qualidade de vida, ocasionando déficits cognitivos associados a diversos transtornos mentais.

Ela comenta que, no passado, políticas públicas foram necessárias para combater a carência nutricional da população, como o enriquecimento das farinhas de trigo com ferro e ácido fólico, por exemplo. Medidas cuja importância torna a ganhar destaque em cenários como o atual:

A fome, relacionada com a falta de alguns nutrientes, deve motivar políticas públicas voltadas para a adição de micronutrientes nos alimentos ou mesmo por meio de programas de suplementação como o Programa do Ferro e da Vitamina A, que ainda hoje estão em vigência. Além disso, é necessário envidar esforços na construção de políticas públicas que garantam o acesso das famílias a alimentos em quantidade e qualidade correspondentes às suas necessidades”, afirma.

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