Os impactos e as contradições da previdência rural na Região Norte

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A grave  proposta governamental atinge a previdência rural de diversas formas, e apresenta aspectos que causarão a destruição da seguridade social e o aprofundamento da pobreza e miséria no campo.

Por José Raimundo Trindade e Mariana Oliveira

O quase invisível debate referente à proposta de reforma previdenciária tem ocultado diversos aspectos, ao lado de criar uma pretensa visão modernizadora da mesma. Vamos nos ater neste texto a um dos aspectos mais ocultos do debate e de maior repercussão sobre a sociedade brasileira: a previdência rural e sua significação, especialmente sobre a Região Norte do Brasil. Os abutres como nos fala acima Graciliano Ramos, estão a mirar a humilde renda de aproximadamente 29 milhões de aposentados e pensionistas que recebem benefícios sociais, sendo que deste total, aproximadamente 9,3 milhões são declarados como trabalhadores rurais. De modo geral, 70% destes benefícios (rurais e urbanos) correspondem ao valor de um salário mínimo, isto é, o teto mínimo garantido por lei[1].

No percurso da formação do sistema de proteção social no Brasil, muito se negligenciou os trabalhadores do campo, cujo acesso a garantias básicas de amparo financeiro e social somente foi lhes dado tardiamente. Isso se deve, sobretudo, pela formação histórica da sociedade brasileira, que desde sempre, esteve e está vinculada ao latifúndio e à monocultura, mantida durante quase quatro séculos por braços escravos. O objetivo deste artigo é tratar a previdência rural e analisar seus impactos, especificamente para o Norte do Brasil (Pará, Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima e Amapá), usando dados do Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS).

A estrutura agrária brasileira, que historicamente fora marcada por um altíssimo grau de concentração fundiária e desigualdade no acesso à terra, implicando numa limitação estrutural à ampliação dos rendimentos dos pequenos produtores rurais e, deste modo, justificando a preponderância da agricultura familiar. Operando nesse contexto, pode-se auferir o impacto da reestruturação previdenciária em 1988 com a inclusão dos excluídos no referido sistema: um aumento expressivo da cobertura social.

A ampliação da cobertura social de modo geral, como se mostra no artigo, se deveu a incorporação dos trabalhadores rurais e das mulheres, e no período mais recente, algumas mudanças que foram realizadas no sentido de ampliar a capacidade de cobertura da previdência no país. Mostra-se que o maior impacto da expansão dos direitos sociais, sobretudo as aposentadorias, se refletiu, principalmente, na redução da pobreza. Entretanto, vale notar, que os benefícios rurais não somente atuam no limite do propósito de um seguro previdenciário, como também indiretamente produz impactos na produção de economias em regime familiar, operando como um investimento produtivo e permitindo, além da subsistência do assistido, o desenvolvimento da agricultura familiar no país, como se buscará mostrar no artigo.

Os dados do Anuário Estatístico da Previdência Social  (AEPS) notoriamente revelam ação inclusiva e integrativa do novo corpo de proteção, que a partir da adoção dos valores de universalização dos direitos sociais em 1988, e, da posterior regulamentação da organização e do financiamento da Seguridade Social em 1991, mostram que efeito primário da seguridade foi a imediata incorporação dos trabalhadores que até então estavam excluídos do sistema previdenciário, por isto a expressiva guinada da linha de evolução do número de benefícios concedidos aos trabalhadores rurais nos anos três primeiros anos do novo regime, um acréscimo expresso em  mais de 2 milhões de benefícios (Ver Gráfico 1).

A ampliação da cobertura social de modo geral, se deveu a incorporação dos trabalhadores rurais e das mulheres.

O Gráfico 2 indica a redução da taxa de pobreza no campo considerando o período recente (2005-2014) foi muito expressiva. Ao analisarmos diferentes cenários observa-se que numa primeira situação foi considerada uma linha de pobreza com famílias que recebem rendimento inferior a ½ salário mínimo, observa-se uma redução de 24,24% na taxa de pobreza em quase uma década. Este resultado reflete a importância e o alcance do seguro social brasileiro e seu papel de indutor da melhora no padrão de vida da população rural brasileira.

Conforme dados do AEPS, apesar da diminuição proporcional da demanda por benefícios rurais, a região Norte registrou um crescimento de 77% no quantitativo concedido nos anos analisados (1999-2017). O estado do Pará sozinho representa praticamente a metade da demanda por benefícios rurais, uma vez que entre os seis estados da região, o Pará possui o maior número de estabelecimentos agropecuários 222.028; em seguida, o estado do Amazonas com 19%.

Na região Norte, quase a totalidade dos trabalhadores rurais vinculados a previdência social pertencem a agricultura familiar, isto é, estão enquadrados na categoria de segurado especial, com a possibilidade de receber os benefícios pela comprovação do exercício de sua atividade ou/e contribuição direta com o sistema. Tal condição justifica a elevada taxa de não-contribuintes, 89,2% no norte do país, a alta taxa de informalidade no campo, a sazonalidade inerente ao ramo agrícola e a precariedade das condições de trabalho colaboram para a grande evasão das contribuições do setor rural.

Entretanto, conforme dados do AEPS, apesar da diminuição proporcional da demanda por benefícios rurais, a região Norte registrou um crescimento de 77% no quantitativo concedido nos anos analisados (1999-2017). Na região Norte, quase a totalidade dos trabalhadores rurais vinculados a previdência social pertencem a agricultura familiar, isto é, estão enquadrados na categoria de segurado especial, com a possibilidade de receber os benefícios pela comprovação do exercício de sua atividade ou/e contribuição direta com o sistema.

Em função do exposto, observa-se a gravidade da proposta governamental que atinge a previdência rural de diversas formas, porém dois aspectos são notáveis pelos impactos que causarão na destruição da seguridade social e pelo aprofundamento da pobreza e miséria no campo: i) o paulatino fim do chamado benefício de prestação continuada (BPC), oferecido a idosos e deficientes em situação de pobreza que hoje dá direito a um salário mínimo a partir dos 65 anos; ii) a aposentadoria rural somente se dará para ambos os sexos com a idade mínima de 60 anos e tempo de contribuição de 20 anos; sendo extinto o tempo mínimo de atividade rural. O que se tem é uma contrarreforma social, estabelecendo-se um novo e cruel patamar de empobrecimento para a população brasileira, sendo que os abutres do sistema financeiro ameaçam “com os bicos pontudos os olhos” e a vida do povo brasileiro.

Para leitura do artigo na íntegra consulte as Publicações Acadêmicas, na aba “Nossa Publicações”.

[1] Brasil. Ministério da Economia. Secretaria de Previdência (2019): http://www.previdencia.gov.br/dados-abertos/dados-abertos-previdencia-social/

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