Emprego e Renda e a Continuidade da Crise Institucional

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Por José Raimundo Trindade (Coordenador do OPAMET)

Estamos encerrando 2022, ano que foi marcado por um conjunto de graves contradições na sociedade brasileira. Nos últimos seis anos vivemos uma profunda crise institucional, onde tanto as condições sociais ficaram mais sujeitas a um crescente empobrecimento da população e, inclusive, com o agravamento da insegurança alimentar[1].

Com o processo eleitoral deste ano, o quadro institucional parecia entrar em um cenário menos tortuoso, o que infelizmente não se deu. A eleição do ex-presidente Lula para um novo mandato resultou de ampla disputa na sociedade, sendo que o percentual final da diferença entre Lula e Bolsonaro foi de menos de 2% expressando a profunda divisão no seio da sociedade brasileira. Vale observar, ainda, que o quadro cíclico da economia brasileira, como abaixo trataremos, continua num processo de baixo crescimento e de uma tendência de agravamento das condições macroeconômicas, especialmente a incapacidade de um ciclo de geração de empregos e renda mais duradouros, como se denotará na análise seguinte.

Como já visualizados nos dados fornecidos pela PNAD-CM no final do primeiro semestre deste ano (conferir Gráfico 1), já se observava que o quadro conjuntural no início de 2022 apresentava um conjunto complexo de fatores, cuja interação aprofundava os limites da frágil economia brasileira e nos leva a permanência de um cenário de forte instabilidade econômica, característico dos últimos anos e agravados com a crise sanitária de 2020/21. A análise conjuntural que segue tem como fundo as contraditórias condições políticas e institucionais estabelecidas no país, assim como os dados referentes ao estado do Pará integram também nossa análise.

Os dados divulgados pelo IBGE (https://sidra.ibge.gov.br/home/pnadcm) confirmam os tons de dificuldades no horizonte econômico e social brasileiro.  A taxa de desocupação do trimestre (jul-ag-set 2022) (8,7%) por mais que seja bem inferior quando comparada com o mesmo trimestre de 2021 (12,6%), porém mantém-se a linha de tendência de crescimento da taxa de desocupação, com outros elementos críticos colocados. Vale observar que o declínio expressivo na taxa de desocupação no período recente deve-se ao “ciclo político”, isso por três aspectos notáveis: primeiramente, as decisões tomadas em torno das políticas de renovação e aumento do “auxílio emergencial”[2], o que produziu momentâneo e passageiro aquecimento da demanda; segundo, refere-se as características do processo eleitoral brasileiro que mobilizam parcela expressiva da população desocupada ou mesmo de fora da força de trabalho, seja com ocupações ocasionais referentes as atividades eleitorais de baixa qualificação (atividades de ruas em geral), seja em atividades mais qualificadas (produtores de vídeo, marketing, webdesigners etc.); por fim, o segundo semestre apresenta uma característica sazonal de maior aquecimento da economia, especialmente o comércio.

Convém notar, com base no gráfico abaixo, que a linha de tendência ainda se mantém muito mais inclinada do que no início do atual ciclo de crise longa da economia brasileira, que se inicia em 2015.

A evolução da taxa de desocupação refere-se a uma atenuação ainda pouco expressiva nesta condição, o que nos mostra as 9,4 milhões de trabalhadores nesta condição e que somada ao total de desalentados (pessoas que desistiram de procurar ocupação), temos um quadro de continuidade da crise de emprego e renda no país. Por outro, atestado da precariedade das relações de trabalho nacionais é que mais de 44 milhões de trabalhadores se encontram sob uma das condições de informalidade (sem carteira de trabalho assinada + Conta Própria + Trabalhador doméstico), sendo decrescente o número de trabalhadores com carteira assinada, o que denota a elevação da precariedade do emprego no país.

Indicadores de Ocupação (Brasil)

Nos últimos cinco anos se observou crescente precarização das condições de vida do povo brasileiro, com elevadas taxas de desocupação, declínio da renda familiar e elevação no custo e carestia de vida. Não se tratou somente da crise sanitária e dos problemas decorrentes do Covid-19, que atingiu fortemente a sociedade brasileira, com elevado número de óbitos (mais de 680 mil mortes) e as sequelas que atingiram centenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras. Porém, as mudanças ocorridas nas relações de trabalho desde a promulgação da LC 13.467/17, assim como as ações destrutivas conduzidas pelos governos subsequentes (Temer e Bolsonaro), seja na forma do fim do Ministério do Trabalho, no estabelecimento de políticas de perdas salariais, como o não reajuste do salário-mínimo, sem considerar os efeitos tão danosos de uma instabilidade econômica, social e institucional que já se arrasta para o sétimo ano.

Vale reforçar que as alterações estabelecidas a partir da Lei Complementar 13.467/17 (Contra Reforma Trabalhista) nos levaram a um mercado de trabalho que intensificou as condições de fragilidade e vulnerabilidade dos trabalhadores, fortalecendo a figura do trabalho autônomo, intermitente, parcial, temporário e da terceirização, inclusive tornando os dados referentes ao mercado formal de trabalho (com carteira assinada) bastante incertos, na medida em que as condições de ocupação se tornaram generalizadamente precárias, notáveis, ainda, nos números referentes aos dados de subutilização, conta-própria e informalidade.

Os dados revelam um cenário de alteração nas condições econômicas referentes ao mercado de trabalho brasileiro, porém mantida a fragilidade e a possibilidade de agravamento do quadro, seja por não se observar uma recuperação econômica sustentável, seja pelas condições institucionais ainda muito imprevisíveis.

No período de 2015/2021, na medida que ainda não se tem 2022 fechado, observa-se, a partir dos dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar) um conjunto de aspectos desfavoráveis a quem vive do trabalho.

1) A taxa de desocupação é crescente no período, sendo que entre 2015 e 2021 o número de trabalhadores desocupados aumenta em quase 50%, passando de 8,6 milhões para 13,2 milhões.

2) Todo o discurso em torno da famigerada reforma trabalhista (LC 13.467/17) se deu com base na venda da falsa propaganda de que haveria maior geração de empregos. Os números mostram o contrário. Além da taxa de desocupação quase dobrar, como já assinalado, o emprego dito formal, ou seja, com carteira de trabalho assinada diminuiu quase 10,3%, passando de aproximadamente 36,7 milhões de trabalhadores para 32,9 milhões de empregados com carteira assinada, o que denota o completo fracasso dessas medidas somente destrutivas dos direitos dos trabalhadores.

3) O número de trabalhadores que se declararam como “conta própria” cresceram quase 15%, passando de 21,7 milhões para próximo a 24,9 milhões de trabalhadores, o que está condicionado a crescente dificuldade da economia e a expansão da informalidade, denotando a maior precariedade social presente no país. A informalidade aprofundou seu caráter estrutural na sociedade brasileira, visível nos milhões de trabalhadores nas sinaleiras e cantos de ruas como vendedores e ofertantes de serviços diversos, assim a população ocupada informal, sem direitos e ultra precarizada é superior a 36 milhões de brasileiros, alcançando a taxa recorde de 40,1%.

4) A massa de rendimentos do trabalho na economia decresceu fortemente, diminuindo em mais de sete milhões de reais (-2,8%). Essa restrição da massa de rendimentos explica em grande medida a perda da capacidade de consumo e as condições de piora de vida da população brasileira. Da mesma forma o rendimento médio do brasileiro

5) Número crescente de trabalhadores encontram-se em condições de subocupação, ou seja, procuram melhores condições para sua reprodução e de sua família, porém não conseguem. Temos em 2021, somados trabalhadores desocupados, subocupados e desalentados mais de 36 milhões de trabalhadores.

O quadro que se desenha para o futuro governo Lula é bastante difícil frente o atual cenário do mercado de trabalho brasileiro, somente com grandes investimentos em infraestrutura social que aqueça o setor da construção civil, aliado a políticas compensatórias tão amplas quanto as atuais referentes ao “Auxílio Brasil”, somados a políticas industriais que possam recompor o quadro econômico brasileiro, se poderá avizinhar uma saída mais durável e estável para o atual quadro de penúrias do mercado de trabalho nacional.

[1] A escalada da fome no Brasil está expressa em pratos cada vez mais vazios, olhares cada vez mais preocupados, e números em permanente e rápida ascensão. Em 2022, 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer. É o que revela o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (conferir: https://www.oxfam.org.br/noticias/fome-avanca-no-brasil-em-2022-e-atinge-331-milhoes-de-pessoas/).

[2] A Emenda Constitucional 123, promulgada pelo Congresso Nacional em julho de 2022, autorizou o Poder Executivo, excepcionalmente até o final de 2022, a ampliar de R$ 400 para R$ 600 o benefício do Auxílio Brasil (Lei 14.284/21), conferir: https://www.camara.leg.br/noticias/).

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